E se Joana armou a arapuca que armou para ser minha personagem... quero dizer que conseguiu. Escrevo outro livro para ela, por causa dela e porque, afinal de contas, criamos juntos uma ficção e não uma mentira... e foi essa maldita ficção que trepou comigo e me prometeu uma vida de miudezas, peixes salmonados, aluguel dividido, filhos, bichos, feira na Serzedelo Correia e mãos dadas para sempre. (...)
Queria, como todo penabundeado, que ela sofresse minha dor... que a falta tivesse o mínimo de correspondência... mas nem isso consigo: querer. Não tenho cacife para bancar a falta que ela me faz. No meu caso, seria quase impossível cogitar um romantismo histérico; para tanto, eu precisaria voltar a ser o cara de antes, aquele que escrevia para se vingar e/ou acertar as contas. Esse cara esgotou-se dentro dela, e foi enganado.
Não sei se agora ela está se divertindo. Ou mesmo se teria se divertido à minha custa. Isso não importa. Eu não devia sofrer e amar - nem por mim, nem por Joana. Ela me abandonou. Me devolveu a mim mesmo, e o que é muito pior: em dobro. Mas o que faço se a dor já não me diz respeito? Se não sou nem metade daquele sujeito de antes? - Marcelo Mirisola (Joana a Contragosto)













